A Cultura como Meio e Fim
Mas nem só estas necessidades de ordem material impulsionaram sempre o homem; desde que a sua existência se encontrou suficientemente assegurada para não lhe ser necessário dedicar-lhe todos os seus momentos de atenção, o homem virou-se para a contemplação da natureza e dessa contemplação nasceu no seu espírito o sentido do belo, origem de todas as suas manifestações artísticas.
Por outro lado, ele depressa começou a viver em sociedade com os outros homens e a reconhecer a necessidade da cooperação com os seus semelhantes.
Essa associação teve a princípio como origem certamente um sentimento egoísta — tirar da colaboração com os outros homens o maior proveito possível para si próprio. Mas foi-se introduzindo lentamente nas relações sociais uma outra ideia — a de que cada um não deve utilizar as relações de sociedade unicamente com o objectivo de tirar daí interesse ou proveito próprio, deve também dar aos outros o seu esforço para os auxiliar. É o sentimento do belo introduzido nas relações sociais, dando ao homem objectivos de ordem moral.
O aperfeiçoamento constante dos meios de satisfação e desenvolvimento das necessidades, ideias e sentimentos, constitui a cultura, que no dizer de Karl Marx “compreende o máximo desenvolvimento das capacidades intelectuais, artísticas e materiais encerradas no homem”.
A cultura é assim simultaneamente um meio e um fim.
— BENTO DE JESUS CARAÇA, “Conferência na Universidade Popular”
Sea of Revolution
O God! That one might read the book of fate,
And see the revolutions of the times
Make mountains level, and the continent
Weary of solid firmness, melt itself
Into the sea!— WILLIAM SHAKESPEARE, Henry IV
Forma de Vida
Forma de Vida é uma nova publicação online bimestral de literatura e ideias. Saiu agora o primeiro número que está disponível aqui.
Estas Mãos
Vês estas mãos? Mediram
a terra, separaram
os minerais e os cereais,
fizeram a paz e a guerra,
derrubaram as distâncias
de todos os mares e rios,
e, no entanto,
quando te percorrem a ti, pequena,
grão de trigo, andorinha,
não chegam para abarcar-te,
cansam-se alcançando
as palomas gémeas
que repousam ou voam no teu peito,
percorrem as distâncias das tuas pernas,
enrolam-se na luz da tua cintura.
Para mim és tesouro mais carregado
de imensidão que o mar e os seus racimos
e és branca e azul e extensa como
a terra na vindima.
Nesse território,
dos teus pés à tua fronte,
andando, andando, andando, eu passarei a vida.— PABLO NERUDA, “A Infinita”