Pequena História Trágico-Marítima

25.02.2012

Durante os próximos meses de Março e Abril realizam-se um conjunto de oficinas de teatro nas áreas da cenografia e figurino, dramaturgia, música e interpretação, no âmbito das Oficinas oferecidas pelo Teatro Académico de Gil Vicente.

As oficinas inserem-se no programa de doutoramento em Estudos Artísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Pretendem desenvolver relações mais estreitas entre o meio académico da UC e o meio profissional do TAGV. Dirigem-se a alunos, de todos os ciclos do ensino superior, e profissionais com interesse nas áreas referidas.

Este laboratório está relacionado com o projecto teatral Pequena História Trágico-Marítima, que envolve os seguintes profissionais que serão os formadores nas diferentes áreas que as oficinas abarcam: Filipa Malva (cenografia e figurinos), Jorge Louraço Figueira (dramaturgia e interpretação), Patrícia Almeida (música), e Ricardo Correia (interpretação).

Aos interessados pede-se que preencham a ficha de inscrição disponível aqui até ao dia 28 de Fevereiro.

Paisagens Neurológicas

21.02.2012

Reconhecemo-nos Ainda

14.02.2012

Estas palavras de Luís Miguel Cintra abrem o livro Ruy Belo: Coisas de Silêncio (Lisboa: Assírio & Alvim, 2000) com fotografias de Duarte Belo que “registam” a ausência do pai, o poeta Ruy Belo:

Reconhecemo-nos ainda. Gostamos do mar e da terra a céu aberto. Árvores, searas, pedras, montes. Da praia. Dos campos. Das igrejas. Das aldeias e das cidades com passado e com ruas muito grandes. Dos textos antigos. De cartas e postais. E dos livros. E do povo. Das procissões. Dos cafés. Do cemitério. De ir ao cinema. Ler o jornal. Mozart e Bach. Não sabemos pôr gravata. Ainda temos camisas aos quadrados e vestimos camisola. Não gostamos da manha e da astúcia. Somos pobres. Temos o sol e só o que nos toca o coração. Alguns amigos mais. E carregamos nos ombros o amor da vida toda e uma enorme saudade de Deus. Somos católicos. Acreditamos na alegria e na pureza. Sabemos que o homem é Deus feito carne.

Reconhecemo-nos. Somos assim generosos, é verdade. Sem esforço. E não vamos mudar. Não sei se somos um grupo nem seremos com certeza uma geração, somos uma maneira de ser. E na poesia do Ruy nos encontramos.

Sou e quero ser irmão ou herdeiro dessa gente. Como o Duarte, legitimamente. E reconheço nas fotografias do Duarte, como na poesia do Ruy, a passagem das nossas vidas, os lugares, as nossas casas, os objectos a que nos afeiçoámos ou demos sentido, a memória dos nossos corpos, dos nossos encontros, dos nossos grandes amores ou da nossa paixão. A minha casa. Reconheço também o meu pai. Mas reconheço sobretudo o espaço. Ou o tempo. “O Tempo Sim o Tempo Porventura”. Estas fotografias, o seu pudor, são o retrato de uma ausência. São fotografias da morte. Violentas. O que resta de um cidadão, a mudança das idades, as coisas que tinha, os lugares onde esteve ou onde estava, a roupa que vestiu, o que ficou do que escreveu. São o retrato do tempo que foge, imenso. Mas mais ainda, tanto, o retrato do que falta. Falta a vida neste vazio, neste espaço que vai da terra ao céu. E esse espaço, esse vazio, é exactamente o espaço das palavras do Ruy. O espaço do que vive. Perante a morte, constantemente, nesse único momento que se confunde com a solidão mas abraça o mundo inteiro e que nos dá a nós a dimensão da vida. Tão imensa diante do tempo que talvez nem na paixão possa encontrar a sua desejada desmedida. Tão grande que convoca Deus. E já não sabemos de que ausência falamos.