O Braço que a Ideia Pede

28.03.2013

Às duas por três nascemos,
às duas por três morremos.
E a vida? Não a vivemos.

Quero viver (deixai-nos rir!)
seria muito exigir...
Vida mental? Com certeza!
Vida por de trás da testa
será tudo o que nos resta?
Uma ideia é uma ideia
— e até parece nossa! —
mas quem viu uma andorinha
a puxar uma carroça?

Se à ideia não se der
o braço que ela pedir,
a ideia, por melhor
que ela seja ou queira ser,
não será mais que bolor,
pão abstracto ou mulher
sem amor!

Às duas por três nascemos,
às duas por três morremos.
E a vida? Não a vivemos.

Neste reino de Pacheco
— do que era todo testa,
do que já nada dizia,
e só sorria, sorria,
do que nunca disse nada
a não ser prà galeria,
que também não o ouvia,
do que, por detrás da teste,
tinha a testa luzidia,
neste reino de Pacheco,
ó meus senhores que nos resta
senão ir aos maus costumes,
às redundâncias, bem-pensâncias,
com alfinetes e lumes,
fazer rebentar a besta,
pô-las de pernas pró ar?

Por isso, aqui, acolá
tudo pode acontecer,
que as ideias saem fora
da testa de cada qual
para que a vida não seja
só mentira, só mental...

ALEXANDRE O’NEILL, “No Reino do Pacheco”